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Guilherme
Guilherme é Engenheiro Ambiental formado pela Escola de Engenharia de Piracicaba e Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo. Um dos ganhadores do Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia - Ano 2008, se dedica atualmente à pesquisa e desenvolvimento de Reatores Biológicos que convertem resíduos (potenciais fontes de poluição industrial e doméstica) em energia renovável sob a forma do gás hidrogênio, uma fonte energética que não gera gases do efeito estufa. http://www.facebook.com/guilherme.septimus
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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Sobre "Antes do Amanhecer"

O filme em questão vale a pena, mesmo com as merecidas críticas. Basta um olhar um pouco mais apurado sobre essa produção para notar o convite que o bom cinema faz à discussão de um dos temas mais surpreendentes da vida.


Antes do Amanhecer (Before Sunrise) é uma produção de Richard Linklater (1995). Uma estória com um pano de fundo tipicamente romântico, porém com o foco numa carga constante de conflito temporal.
Neste filme, o drama apresentado (o grande questionamento) é: Seria possível viver um amor num único dia? 


Durante uma viagem de trem pela Europa, Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) se encontram. A despeito de seus diferentes destinos, um interesse mútuo surge e desembarcam juntos em Viena - local onde passam a conhecer um ao outro por meio de suas perspectivas sobre a vida e o amor.

Apesar do surgimento de uma crescente ligação, Jesse está no final de seu percurso. Sem outras possibilidades, ele deve partir em menos de 24h para os Estados Unidos. Celine, por outro lado, tem que voltar a Paris, seu destino original.

Ao longo da estória, aparentemente a razão é contrariada e Jesse e Celine se envolvem profundamente. À primeira vista parece algo totalmente equivocado, pois aquele seria o primeiro e, provavelmente, o único encontro que teriam. Porém, sob a perspectiva de que a vida opera em vários níveis -muitos dos quais só acessamos por sentimentos- parece razoável supor que o envolvimento deles não foi um erro e que, antes de tudo, definiu-se por questões como: “Qual a importância de conhecer alguém especial?”, “De se estabelecer uma ligação?”, “De estar no lugar e momento certos?” “Com que frequência esses eventos se combinam na vida?” A resposta para essas questões, tanto na ficção quanto na realidade, possivelmente atravessa 3 pontos fundamentais:



1- O evento do encontro

2- Uma ligação autêntica


3- O tempo e o sentimento







Trailer: "Antes do Amanhecer"



1 - O evento do encontro

Eis uma idéia muito extensa para ser delimitada. Alguns dizem que não existe acaso e que os eventos de uma vida são misteriosamente pré-determinados. Outros...que tudo o que precisamos é criar oportunidades para que um encontro aconteça.

Independente da abordagem, sobrenatural ou causal – acima mencionadas – o que realmente não deixa dúvidas é a singularidade do evento. Diferentes histórias, diferentes personalidades e existências que sequer se encontrariam no curso de toda uma vida. Contudo, a experiência mostra que apesar dessas “distâncias” ameaçadoras, a simplicidade com que olhares desprevenidos se tocam é suficiente para vencer as maiores improbabilidades. Dessa forma um encontro também se define como a conversão do improvável no possível.

E, não seria a temática retratada no filme a mesma da realidade? Não é a partir de um acontecimento improvável que uma conexão pode ser estabelecida, tornando ainda mais raro esse evento do encontro?


Para que folhas de uma árvore surjam num mesmo ramo, podemos supor que haja um longo percurso desde o tronco até a superação de um emaranhado de caminhos diferentes. Daí a analogia com o evento do encontro, o qual depende que duas histórias de pessoas sem qualquer pretensão dirijam-se ("guiadas" ou não) através de centenas de rumos possíveis até um mesmo ponto no espaço e no tempo. Tanto no contexto da vida quanto da ficção, essa perspectiva não deixa de ser instigante.



2 - Uma ligação autêntica

No filme não é feita qualquer referência à busca da “cara metade”. Esse clichê do romantismo arcaico não tem qualquer espaço na estória, e nem deveria ter na vida real.

O mito a partir do qual se baseia este conceito foi elaborado por Aristófanes, e dá conta que no início dos tempos os homens eram seres completos, de duas cabeças, quatro pernas e quatro braços. Porém, no auge de suas ganâncias resolveram subir ao Olimpo e lutar contra os deuses para destroná-los. Os deuses, obviamente, venceram a batalha e Zeus resolveu castigar os homens por sua ambição dividindo-os ao meio. Zeus ainda pediu ao deus Apolo que cicatrizasse o ferimento, porém que deixasse parte da cicatriz (o umbigo) para que não se esquecessem de seu poder. Dessa forma, os homens caíram na Terra e, desesperados, cada um foi tomado de um desejo permanente de encontrar sua outra metade, sem a qual jamais sentiriam-se completos.


Tanto no mito quanto no comportamento das maiorias, a ligação entre duas pessoas é tratada como uma necessidade inquestionável, um desejo que precisa encontrar seu fim, ou mesmo uma busca desesperada de pertencer a algum contexto neste mundo. Em decorrência dessas abordagens, não há uma troca de atrativos envolvida, mas uma relação entre indivíduos que buscam suprir suas faltas (a busca da metade), o que constitui um comportamento egocêntrico e objetal. Neste caso, “as metades” são seres inseguros, egoístas e pior, ausentes de diferentes conteúdos e perspectivas. 

Ironicamente, as relações modernas e sustentáveis - aquelas entre seres completos – são baseadas, na sua maior parte, na troca de conteúdos e perspectivas como forma de manter a atratividade e o próprio sentido da ligação. A dinâmica de manter-se interessante implica nesses investimentos, e noutros como na aparência, embora a beleza do físico esteja sujeita à degradação, enquanto a beleza produzida por pensamentos e sentimentos seja permanente.

De volta ao filme, percebe-se que a ligação entre Jesse e Celine baseou-se fundamentalmente na troca de experiências e pensamentos, os quais foram vivenciados com certa profundidade, aumentando assim a conexão com o mundo que compartilharam, e reforçando o próprio sentido de estarem juntos dividindo-os.

Paralelamente à ficção, esse encaixe - eu diria perfeito - do encantamento da descoberta um do outro com a busca de sentido para o mundo, constitui uma das formas mais efetivas para a realização de uma ligação autêntica.

Uma ligação de sucesso é uma opção e não uma necessidade. A obrigatoriedade de qualquer relação destrói o sentido da troca e inviabiliza a construção de algo maior que o encantamento do encontro. No campo da superficialidade e da conveniência, a ligação nunca é uma escolha. Nesses casos é mandatória e leva, invariavelmente, ao fracasso. Aspecto esse que não pertence ao contexto dos filmes “Antes do Amanhecer (1995)” e “Antes do Entardecer (2004)”.


3 - O tempo e o sentimento

Seria possível amar em um único dia? Via de regra é a paixão que se torna a grande protagonista neste tipo de circunstância. A fórmula simples e quase que universal da mesma dispensa a criação de estruturas de consolidação, o que a faz surgir de imediato e, por esse motivo, tornar-se instável e perigosa.

A arte - imitando a vida – emprestou esse fato para dar suporte a várias estórias, muitas das quais trazem uma advertência muito clara: “a maioria das paixões leva à tragédia”.
Shakespeare, um dos artistas que sondou com maior profundidade o espírito humano, mostra que num dos desvarios típicos da paixão “Romeu e Julieta” decidem se casar no dia seguinte ao que se viram pela primeira vez, e quando a realização desse desejo é frustrada por conflitos familiares, os apaixonados -um após o outro- cometem suicídio. Já em “Antônio e Cleópatra”, o ciúme desta última causa a morte do militar romano. Tomada de remorso, ela inocula em si o veneno letal de uma víbora.

Da literatura para o cotidiano, a “tragédia” ocasionada por uma paixão que não evolui, dificilmente termina em suicídio ou numa morte agonizante, mas na perda irreparável da conexão e das oportunidades representadas por aquele encontro.

Contrariando a expectativa de um simples apaixonamento de curta duração, “Antes do Entardecer” (2004) mostra que o envolvimento dos protagonistas não se reduziu a uma paixão fugaz ou trágica. Após 9 anos desde a última vez que estiveram juntos, Jesse publica um livro no qual descreve em detalhes a história ocorrida em Viena. Mais tarde revela que seu principal objetivo era o de promover um reencontro com Celine. 


Diante desse aspecto da estória, fica claro que o filme retrata um amor e não uma simples paixão. Caso contrário, a conexão entre Jesse e Celine jamais poderia ser retomada depois de tanto tempo. Guardadas as devidas proporções, amor e paixão são muito diferentes, o que certamente foi um fator decisivo para o destino da ligação entre os protagonistas.

É próprio da paixão colocar sentimentos num universo moldado unicamente por desejos e expectativas, o que gera um estado de auto-ilusão, uma vez que esse universo dificilmente será correspondido pela realidade do outro e da vida.
Para o bem da verdade e da própria felicidade, nenhuma ilusão dura por toda a vida. Consequentemente, a paixão também encontra seu fim.

De maneira totalmente distinta, o amor acontece num plano em comum, iniciado pela construção de incontáveis pontes, que levam e trazem pensamentos, emoções e sentimentos entre as diferentes realidades e a vida em si. Por meio dessas ligações, produz se um conjunto infindável de significados que buscam inspiração mundo afora para unir as partes. Exemplo disso é viver a tranquilidade do outro ao mirar o céu, perceber o olhar como o refúgio da verdade, converter a ausência em presença e definir a própria felicidade num sorriso alheio.

Ao que tudo indica, a intenção do filme “Antes do Amanhecer (1995)” é mostrar que um amor pode surgir até mesmo numa pequena fração de tempo, desde que haja sucesso numa sequência de acontecimentos bastante específica.
Num esforço analítico, percebe-se que no filme eventos como: o encontro, a ligação e a correspondência dos sentimentos, foram indispensáveis, uma vez que são interdependentes e sequenciais. Fora da ficção também é necessário que esses 3 pontos fundamentais sejam atravessados, porém um elemento crucial é que define o resultado de um encontro (ficcional ou real).





Trailer: “Antes do Entardecer”


A grande virtude do filme “Antes do Entardecer (2004)”, é mostrar esse elemento chave como sendo a “sensibilidade aos eventos”, a qual serve perfeitamente como a resposta para as questões anteriormente levantadas (“Qual a importância de conhecer alguém especial?”, De se estabelecer uma ligação?”, “De estar no lugar e momento certos?” “Com que frequência esses eventos se combinam na vida?”). 
Sem essas percepções fornecidas pela sensibilidade, não apenas o encontro afetivo, mas a vida em sua totalidade corre o risco de passar desapercebida... sem que o seu maior sentido seja encontrado. Talvez caiba aqui a analogia com conceito do movimento artístico do Impressionismo. 

Para os impressionistas uma obra é determinada pela combinação de pontos e camadas de cor e luz. Daí a analogia com a perspectiva que a vida acontece em “vários níveis” e, portanto, não é definida somente por aquilo que presenciamos superficialmente. Pelo contrário, viver de maneira plena seria enxergar além do aparente...ver suas componentes e, por extensão, encontrar na realidade muito mais de significado e valor.    

Impression, soleil levant (Impressão, Amanhecer) – Tela pintada por Monet em 1872. 

Por fim, essa sequência de filmes (Before Sunrise e Before Sunset), é bastante interessante porque trata o tema do "encontro" de maneira realista, embora contenha um certo excesso de elementos românticos na primeira produção (Before Sunrise). Ainda assim, pode se considerar que são filmes completamente diferentes de quaisquer outros do gênero.

Postado por Guilherme às 15:55 2 comentários:
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Marcadores: antes do amanhecer; antes do entardecer; before sunrise; before sunset; um encontro; uma ligação; um tempo; aristófanes; shakespeare; monet; sensibilidade; percepção; impressionismo;
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